sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A cultura é parte do desenvolvimento humano”

Quinta, 22 Outubro 2015 09:16 José dos Remédios
Maria Helena Pinto

Maria Helena Pinto é coreógrafa, bailarina e pesquisadora. Nesta entrevista, para além de caracterizar a dança contemporânea mo­çambicana, a artista sugere mudanças de que o país precisa para que as artes e os seus pro­dutores possam evoluir sem restrições, numa altura em que acaba de lançar “Devir(es) con­temporâneos”, primeiro livro moçambicano que versa sobre a dança contemporânea.
É pesquisadora na área da dança contem­porânea. Como caracterizar a dança contem­porânea moçambicana?
A nossa dança contemporânea nasceu como ruptura das práticas tradicionais exis­tentes desde 1975 até mais ou menos aos anos 90, onde houve uma mudança da concepção. Na verdade, houve uma espécie de saturação dessas práticas tradicionais que eram um pro­jecto artístico da CNCD regida por um mode­lo nacionalista do poder pós-independência, claro, importantíssimo para a reivindicação de uma identidade cultural. Em meados dos anos 90, houve uma outra necessidade de de­senvolver um conceito artístico singular sobre a dança contemporânea moçambicana ao ní­vel do continente e do mundo.
Uma das suas coreografias é intitulada “Change the house”. Se pudesse, o que mu­daria nesta casa que se chama Moçambique?
Primeiro faria perceber ao poder que a cultura é poder. Quando tivermos percebi­do isso, compreenderemos que os artistas são importantes para o desenvolvimento global da nossa sociedade. Depois, é funda­mental que os artistas se formem. Enquanto não nos formarmos, não podemos intera­gir ao mesmo nível com os profissionais de outros sectores. Temos de saber defender os nossos trabalhos. Outra coisa, no país temos poucos espaços para a arte e esses poucos destruímos por questões meramen­te económicas. Os interesses económicos são importantes, sim, mas devem interagir com outros também fundamentais para o desenvolvimento. Por exemplo, o desen­volvimento humano deve passar a frente de qualquer outro. E a cultura é parte do desenvolvimento humano. Então, a criação de infra-estruturas para as artes seria uma das coisas que deveríamos fazer no nosso “Change the house”.
Quando concebeu “A sombra”, pensou na condição da mulher. E agora, sombras do passado retornam para retirar a paz dos moçambicanos. Como é que as artes podem cumprir a missão de devolver essas ameaças políticas aonde nunca deveriam ter saído?
Há uma peça intitulada “De costas viradas para a verdade”, de Augusto Cuvilas – está na minha tese de Doutoramento, graças a Deus. Essa peça fala do massacre de Homoíne. A certa altura, uma bailarina carrega uma per­na (artificial) cortada e corre das traseiras do palco para frente e diz: “Cortaram a perna do Nelson”. E os outros bai­larinos que se encont r am nas traseiras do palco di­zem: “A perna do Nelson?! De novo?!”. Augusto Cuvilas morreu em 2007 e criou essa peça em 2001. A pergunta é, para quem quer que seja, va­mos cortar a perna do Nelson de novo?! Eis a questão.
Considero a dança a expres­são da alma. Mas como é que um coreó­grafo pode fazer desta arte um meio de expressão que lhe permita ser compreen­dido?
Cabe ao coreógrafo conceber a obra do ponto de vista teórico. No entanto, depois do bailado estar completo, já não pertence ao coreógrafo. A obra artística é uma enti­dade separada do próprio criador. Por isso, a comunicação estabelece-se ou não quando chega ao público, com olhar relativo, subjec­tivo, dependendo da formação e da educação no momento em que se está a ver a obra. De alguma maneira, o coreógrafo pode manipu­lar os elementos da comunicação porque tem conhecimento e capacidade para isso, mas esta interacção está fora do poder do criador. A obra tem o seu próprio poder para dizer o que tem a dizer.
É Doutorada em Estética, Ciência e Tecno­logias das Artes. Que conhecimentos desta área, reflectidos no seu “Devir(es) contem­porâneos”, devem ser aproveitados para ati­çar a produção, a divulgação e consumo da dança contemporânea moçambicana?
A resposta para esta pergunta é muito lon­ga. Teria que dar uma aula, e não temos tem­po para isso. Mas o que posso sugerir é que leiam “Devir(es) contemporâneos”, minha tese de Doutoramento que trata da emergên­cia e evolução da figura do bailarino contem­porâneo moçambicano e analisa os trajectos, os discursos, as obras e a recepção, dentro e fora do país.
Porquê os amantes das artes iriam ler este livro?
Então, nós não temos em Moçambique ne­nhum estudo de dança que tenha sido edita­do. O meu livro é o primeiro e o único até agora. Em Moçambique nós gostamos muito de dança e temos aqui uma obra importante do ponto de vista histórico. Quem tem curio­ sidade de saber o que é teoria da dança – nós só pensamos que dançamos, mas não é verdade que todos nós sabemos dançar. Dançar aprende-se –, tem aqui uma oportunidade. Então, neste livro há todo um trabalho ao nível teórico e técnico que é preciso que se tenha conhecimento. 

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