Quinta, 22 Outubro 2015 09:16
José dos Remédios
Maria Helena Pinto
Maria
Helena Pinto é coreógrafa, bailarina e pesquisadora. Nesta entrevista,
para além de caracterizar a dança contemporânea moçambicana, a artista
sugere mudanças de que o país precisa para que as artes e os seus
produtores possam evoluir sem restrições, numa altura em que acaba de
lançar “Devir(es) contemporâneos”, primeiro livro moçambicano que versa
sobre a dança contemporânea.
É pesquisadora na área da dança contemporânea. Como caracterizar a dança contemporânea moçambicana?
A
nossa dança contemporânea nasceu como ruptura das práticas tradicionais
existentes desde 1975 até mais ou menos aos anos 90, onde houve uma
mudança da concepção. Na verdade, houve uma espécie de saturação dessas
práticas tradicionais que eram um projecto artístico da CNCD regida por
um modelo nacionalista do poder pós-independência, claro,
importantíssimo para a reivindicação de uma identidade cultural. Em
meados dos anos 90, houve uma outra necessidade de desenvolver um
conceito artístico singular sobre a dança contemporânea moçambicana ao
nível do continente e do mundo.
Uma das suas coreografias é intitulada “Change the house”. Se pudesse, o que mudaria nesta casa que se chama Moçambique?
Primeiro
faria perceber ao poder que a cultura é poder. Quando tivermos
percebido isso, compreenderemos que os artistas são importantes para o
desenvolvimento global da nossa sociedade. Depois, é fundamental que os
artistas se formem. Enquanto não nos formarmos, não podemos interagir
ao mesmo nível com os profissionais de outros sectores. Temos de saber
defender os nossos trabalhos. Outra coisa, no país temos poucos espaços
para a arte e esses poucos destruímos por questões meramente
económicas. Os interesses económicos são importantes, sim, mas devem
interagir com outros também fundamentais para o desenvolvimento. Por
exemplo, o desenvolvimento humano deve passar a frente de qualquer
outro. E a cultura é parte do desenvolvimento humano. Então, a criação
de infra-estruturas para as artes seria uma das coisas que deveríamos
fazer no nosso “Change the house”.
Quando
concebeu “A sombra”, pensou na condição da mulher. E agora, sombras do
passado retornam para retirar a paz dos moçambicanos. Como é que as
artes podem cumprir a missão de devolver essas ameaças políticas aonde
nunca deveriam ter saído?
Há
uma peça intitulada “De costas viradas para a verdade”, de Augusto
Cuvilas – está na minha tese de Doutoramento, graças a Deus. Essa peça
fala do massacre de Homoíne. A certa altura, uma bailarina carrega uma
perna (artificial) cortada e corre das traseiras do palco para frente e
diz: “Cortaram a perna do Nelson”. E os outros bailarinos que se
encont r am nas traseiras do palco dizem: “A perna do Nelson?! De
novo?!”. Augusto Cuvilas morreu em 2007 e criou essa peça em 2001. A
pergunta é, para quem quer que seja, vamos cortar a perna do Nelson de
novo?! Eis a questão.
Considero
a dança a expressão da alma. Mas como é que um coreógrafo pode fazer
desta arte um meio de expressão que lhe permita ser compreendido?
Cabe
ao coreógrafo conceber a obra do ponto de vista teórico. No entanto,
depois do bailado estar completo, já não pertence ao coreógrafo. A obra
artística é uma entidade separada do próprio criador. Por isso, a
comunicação estabelece-se ou não quando chega ao público, com olhar
relativo, subjectivo, dependendo da formação e da educação no momento
em que se está a ver a obra. De alguma maneira, o coreógrafo pode
manipular os elementos da comunicação porque tem conhecimento e
capacidade para isso, mas esta interacção está fora do poder do criador.
A obra tem o seu próprio poder para dizer o que tem a dizer.
É
Doutorada em Estética, Ciência e Tecnologias das Artes. Que
conhecimentos desta área, reflectidos no seu “Devir(es)
contemporâneos”, devem ser aproveitados para atiçar a produção, a
divulgação e consumo da dança contemporânea moçambicana?
A
resposta para esta pergunta é muito longa. Teria que dar uma aula, e
não temos tempo para isso. Mas o que posso sugerir é que leiam
“Devir(es) contemporâneos”, minha tese de Doutoramento que trata da
emergência e evolução da figura do bailarino contemporâneo moçambicano
e analisa os trajectos, os discursos, as obras e a recepção, dentro e
fora do país.
Porquê os amantes das artes iriam ler este livro?
Então,
nós não temos em Moçambique nenhum estudo de dança que tenha sido
editado. O meu livro é o primeiro e o único até agora. Em Moçambique
nós gostamos muito de dança e temos aqui uma obra importante do ponto de
vista histórico. Quem tem curio sidade de saber o que é teoria da
dança – nós só pensamos que dançamos, mas não é verdade que todos nós
sabemos dançar. Dançar aprende-se –, tem aqui uma oportunidade. Então,
neste livro há todo um trabalho ao nível teórico e técnico que é preciso
que se tenha conhecimento.
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